domingo, 23 de dezembro de 2012

Meu texto de Natal: "Coração de Mãe"




Há muito tempo penso que há dois tipos de pessoas neste mundo: as que têm e as que não têm coração de mãe. A maternidade em si não garante o instinto materno. Muitas pessoas, homens inclusive, pensam e sentem como mães, trazem em si o que eu chamaria de instinto materno.

É claro que ter um filho muda a vida de muita gente, desperta o senso de responsabilidade por ter posto mais uma vida nesse mundo e isso muda o comportamento, a forma de agir e de ver o mundo. Muda também, principalmente, a visão que temos de nossas próprias mães e pais. 

Maternidade e paternidade são questões psicanalíticas. São vínculos tão viscerais que atingem esferas atemporais. Essas questões nos acompanham vida a fora, são fatores determinantes de nossos comportamentos, da nossa forma de ser e agir no mundo. Depois que somos mães passamos a viver os dois lados da moeda: as dificuldades que temos em sermos filhos e em termos filhos. Quando essas relações estão internalizadas nunca mais conseguimos pensar em nossas vidas de uma forma egoísta, pois somos o elo de uma cadeia de raízes e frutos. Simplesmente não há como estarmos bem se nossas raízes e nossos frutos não vão bem.

O pensamento de quem tem o coração de mãe é aquele que sempre vai além de si mesmo. É aquele que nunca se vê como uma singularidade e sabe que suas ações terão um impacto no todo. Coração de mãe calcula até onde pode ir com seus individualismos, suas vontades particulares, porque sabe que as suas ações trarão consequências na vida dos seus, sejam elas boas ou más.

Vejo mães em todas as partes adaptando suas vidas para se adequarem da melhor forma à vida dos filhos e muitas vezes me comovo, porque sei que na cabeça da mãe, isso nem é visto como um sacrifício. Os primeiros anos de vida de uma pessoa exigem muito mais que dedicação e lá estão mães, pais, tios, tias, avós e tantos corações de mãe abrindo mão do seu próprio tempo e conforto, do seu próprio alimento, do seu sono, do descanso, de todo o tempo livre, pelo amor mais abnegado e verdadeiro.

O instinto de sobrevivência também acompanha as ações das pessoas que trazem em si esse coração. Todas as probabilidades de proteção para os mais frágeis povoam a mente dessas pessoas, desde os cuidados físicos até os psicológicos e sociais. Talvez o que eu esteja tentando dizer é que ter coração de mãe é ter o instinto de proteger os mais frágeis.

Muitas pessoas gostam de comparar velhos com crianças, mas isso está muito longe de ser uma verdade. O velho não pode ser educado como uma criança, ele tem uma história e o seu temperamento já foi solidificado. Não é fácil lidar com idosos, eles não são mais produtivos, normalmente o convívio é difícil, necessitam de cuidados, muitas vezes não querem receber cuidados, são teimosos, muitas vezes depressivos. Mas não podemos nos esquecer de que eles já foram pais e mães, que criaram filhos e netos, que ajudaram a cuidar de sobrinhos e enteados e que não podemos ter a memória curta. Há um momento nessa vida em que se deve sair do imediatismo para se fazer valer a história. 

Meu Feliz Natal é para todas essas almas preocupadas e cuidadoras, esses tão preciosos e generosos corações de mãe. 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ser o que é independentemente da idade que se tem




Assistindo ao último filme do 007 me surpreendi com uma personagem bem mais complexa do que havia visto nos filmes anteriores. Um cara um tanto quanto desacreditado de sua competência por estar "coroa", sendo submetido a testes de aptidão física, tendo que provar suas habilidades psicomotoras, cognitivas, equilíbrio emocional, contudo, muito mais consciente de si mesmo. Uma pessoa que "se sabe" funcionar bem nas situações de limite e se reconhece como é, apesar do descrédito de seus superiores e das adversidades que encontra na vida profissional. Em meio à uma primorosíssima produção, uma fotografia de encher os olhos, uma trilha sonora impecável, a trama remetia inteligentemente à várias cenas que acompanharam a trajetória do lendário James Bond. Mas desta vez, lá estava ele, "coroa" assumido e 007 sempre, por direito à sua essência.

Outro dia, ao conversar com um amigo comentei que não há necessidade de provarmos quem somos, simplesmente por sermos o que somos e que, por extensão, também não há como negarmos e nem como fugirmos disso.  Quando nascemos com o "comichão do artista" a arte permeará nossas ações, quer queiramos ou não. Na postagem "que minha irmã Telma fez para mim" ela comenta nas entrelinhas que houve uma tentativa familiar de me transformarem numa pessoa mais convencional e normalzinha. E que, por sinal, não adiantou nada. Me formei fonoaudióloga e confesso que consigo tirar água de pedra quando atuo nessa profissão, mas percebi que isso acontece apenas quando levo a arte para fonoaudiologia.

Quando um "artista que é artista" pára pra se observar, constata que é artista ao brincar com uma criança, ao arrumar a sua casa, ao preparar uma comida, ao "produzir um visual", ao escrever uma mensagem, ao comprar uma lembrança para um amigo... Não estou falando de mim, não. Muita gente é artista nessa vida, traz em si a arte de saber viver e nem se dá conta disso. Aliás, a maior arte é essa: a estética do existir.

Como o 007 já percebi que vou acabar "mostrando quem eu sou nas situações limite", dando meus tropeços aqui e ali, acertando e errando, assim como acho que deve acontecer com todo mundo, afinal, situação limite "revela". E não precisa chegar a esse ponto. Conheço um cara que é cirurgião e digo que ele é cirurgião pra pregar um quadro na parede e também o é na hora de fatiar uma torta com a precisão geométrica que só um cirurgião conseguiria mesmo. Quem tem espírito de atleta, idem. Quem tem espírito de militar, ibidem. Um dos meus filhos é um esteta visual e tem um ouvidinho de tuberculoso. Tudo para ele é imagem e som. O outro é ambidestro e tem tantas particularidades, que eu precisaria escrever uma enciclopédia só pra falar sobre o jeito diferente dele funcionar. Assim, cada pessoa vive e age de acordo com a sua essência, também cresce e envelhece de acordo com a lógica de sua própria natureza.

E o 007 agora é envelhescente! Muito legal isso... E "que envelhescente!"...



sábado, 17 de novembro de 2012

"Sete Desejos"

                 
                      


Ah se a gente soubesse de todas as sincronicidades que nos cercam e dos segredos que elas revelam. Se tivéssemos antenas para captar os recados do cosmos... Recados que depois se mostram tão transparentes e que estavam lá num passado tão recente e que não os percebemos ou que talvez apenas serviram para dar um pouco de poesia à nossa vida. E quanto valor há nessa poesia que constrói um sentido mais artístico nesse viver cotidiano que pode passar batido como uma experiência sem valor e banal. 

A poesia talvez seja o único bem realmente democrático. Há poesia na pobreza, na riqueza, no sucesso, no fracasso, na alegria, na tristeza, na decadência, na ascensão, nas perdas e nos ganhos, no amor, na solidão, na natureza, no urbano, na revolta, na resignação, na religiosidade e na falta dela, a poesia pode estar em tudo, o sentimento do poeta a tudo resiste e a tudo pode reverenciar.

Essa música que postei eu e a minha fênix tatuada na perna cantamos com um violeiro hippie numa pracinha de uma cidadezinha antiga do interior de Goiás totalmente por acaso. Aconteceu. Nem nos conhecíamos. "Recomeçando das cinzas eu faço versos tão claros, projetos, sete desejos, na fumaça do cigarro..." Ele sabia os acordes, eu parte da letra e ele as partes que eu não sabia.

"Lembro um flamboiant vermelho no desmantelo da tarde, a mala azul arrumada, que projetava a viagem. Recomeçando das cinzas vou recompondo a viagem, lembro um flamboiant vermelho no desmantelo da tarde..." Eu e meu apelido de tartaruga. Lá vai a Marcia com a casa nas costas. Não conheço alguém que tenha se mudado de casa e de cidade mais do que eu. Antes, eu e a mala de projetos. Depois, eu, a mala de projetos, os filhos, o cachorro e vamos todos pra outro lugar. A cada mudança mais uma mala arrumada  com novos projetos, a cada mudança, o ressurgir das cinzas e ciclos de renovações. Desejos que se foram e também se transformaram.

O poeta não deixou de se lembrar da "réstia de luz amarela" e afirma que agora pensa "que a estrada da vida tem ida e volta, ninguém foge do destino, desse trem que nos transporta". Muitas singelezas já vivi que não me esqueço, talvez porque, embora não saiba fazer poesia, a tenha dentro de mim. Simplicidades marcaram esse percurso tortuoso que tenho trilhado. No meio de uma tarde fresca um silêncio cúmplice, um sorvete, uma brisa e uma árvore florida. Uma gargalhada de criança, um pé sujo no sofá, um cartão no dia das mães e aquele gato sem vergonha que comia a ração da minha cachorrinha. Meu carro imundo e a trupe toda lá dentro esperando eu ir trabalhar. Uma música, um almoço de domingo, um amigo "acampando em casa". Que bom que a estrada da vida tem ida e volta. Que bom ter visto "a réstia de luz amarela".

Os dias vêm e vão, a gente segue o fluxo indo pro lado que a vida aponta com a mala azul, seguindo o trem azul, ouve uma canção dessa, se lembra de que outro dia a estava cantando na maior displicência e pensa que o destino deve ser amigo-irmão da fênix tatuada, recomeçando das cinzas, indo e vindo, para poder existir.






segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Amizade e humor para viver qualquer fase dessa vida




Não raramente desprezamos certos valores que são essenciais para o bem viver. Na verdade, acho que pensamos muito pouco sobre o que é realmente importante nessa vida e ocupamos muito tempo com inutilidades. Não nos empenhamos em cultivar valores que acrescentarão qualidade de vida ao nosso devir, renegamos nossas ações ao imediatismo, tão próprio desse tempo que vivemos, nos esquecendo de que, para que um dia possamos colher os frutos é necessário aguar a plantinha todos os dias. O ser humano ainda é um ser natural. Não somos industrializados nem descartáveis e penso que não deveríamos nos comportar como se fôssemos.  

No texto anterior comentei sobre a alta incidência da depressão na velhice por todas as dificuldades naturais que essa vivência traz em si. Mas há muitas fases na vida que também não são nada fáceis e nesses momentos penso que as únicas saídas para não sair arrancando os cabelos e chutando as paredes são o amor na amizade e um pouco de senso de humor. Ouvi dizer que tragédias e comédias andam de mãos dadas e que os atores que desempenham bem um dos gêneros geralmente também se dão muito bem no outro. 

Amizade hoje em dia é um bem de valor imensurável. Fui educada por uma mãe mineira que dizia sempre: "amigo é quem frequenta a sua casa, se não  for à sua casa, não é seu amigo. É conhecido". Concordo, mas acrescento que amigo é aquela pessoa que você sente que realmente se importa com você. Tem muita gente nesse mundo que infelizmente não consegue se importar com ninguém mais do que consigo mesmo e você entra na jogada como um acessório na vida dela. Quando ela tá ótima, nem se lembra de que você existe. E quando o procura sempre é atrás de alguma coisa...

Amizade é também uma questão de amadurecimento. A pessoa precisa ter um mínimo senso de cultivo e de importância do convívio. Para ser amigo é preciso saber olhar um pouco pro lado de fora. E bem disse o Caetano Veloso que "a poesia está para a prosa, assim como o amor para a amizade". Por isso penso que nas relações amorosas deve haver muita amizade, nas relações familiares e em todas as outras, porque nenhum afeto se sustenta sem esse tipo de amor. Eu vejo muito por aí as pessoas se esquecerem de que seu grande amigo também pode ser seu filho, seu irmão, seu marido ou sua diarista. Tem gente que consegue não ser amigo das pessoas mais próximas, mais presentes na própria vida.  A amizade precisa ser constantemente cultivada, para que seja sempre uma relação de parceria e cumplicidade. Às vezes a cumplicidade é tão grande que vira telepatia. Hoje mesmo vivi uma sincronicidade assim e acho que é por isso que estou escrevendo esse texto.

Quanto ao humor, é dom de personalidade e pra quem não tem, exercício de bom senso. "O que não tem remédio, remediado está". "Não adianta chorar sobre o leite derramado". Então vamos dar risada, que se a coisa não tem jeito, sempre há uma piadinha infame esperando para ser feita. Exemplinho ridículo: comprei um tênis para caminhar. Calcei inúmeros, andei pela loja e acabei escolhendo um de uma marca que eu não conhecia chamada "Skechers" que me caiu como uma luva. Saí toda feliz com a compra e meu filho que tem um humorzinho irônico olhou pro meu pé e perguntou: " - te pediram a identidade pra comprar esse tênis?" "- Não, por que?" " - Menor de quarenta anos não pode usar isso aí não, mãe..." Tenho uma tia que também é mestre em "humor etário", só que, no caso, ela o aplica à minha avó que tem 89 anos e apresenta sintomas de degenerescência senil. Minha tia faz uma piadinha atrás da outra e consegue fazer a minha avó rir de si mesma, das confusões que faz, da falta de memória, dos incômodos físicos e daquelas banalidades que constroem o cotidiano de todos nós. O humor da minha tia não deixa a velhice da minha avó ser triste nem depressiva.

Tenho uma amiga que criou uma "Lei" genial: a "Primeira Lei de Bozo". Essa lei maravilhosa resume-se em: "sempre rir". No final das contas, aconteça o que acontecer, não há saída melhor. Melhor do que ficar envergonhado, ansioso, deprimido, revoltado, com baixa autoestima, triste, melhor do "que dar murro em ponta de faca", "pra viver o melhor, sempre rir". 





quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Qual é o lugar do velho na nossa sociedade?




Uma das patologias mais marcantes que acompanha a velhice é a depressão. Muito difícil um idoso ao atingir a quarta idade, ou antes, não apresentar sintomas depressivos, mesmo tendo um estilo de vida saudável e condições de vida tanto no plano físico como no emocional relativamente dentro dos padrões da normalidade. Viver a velhice por si só já é uma barra. Acompanhar a degenerescência do próprio corpo e as transformações sociais que isso acarreta não é bolinho pra eles e nem será para nós.

Não é incomum me acharem neurótica na preocupação que tenho com meus filhos que atingirão a maturidade no início do ano que vem. Eu me preocupo mesmo e me preocuparei sempre, independentemente da idade que tiverem, assim como me preocupo com todas as pessoas que amo. Meu zelo é do mesmo tamanho da minha confiança e meu temor é pelo mundo e não por eles. Às vezes tenho a sensação de que determinados fenômenos sociais beiram o descontrole e quem estiver de desavisado no meio do caos vai ter que apelar para o "salve-se quem puder". E é esse o nosso atual modelo de sociedade e civilização.

A cidade de São Paulo nunca passou por um período tão insano desde que me mudei para cá. Viver em São Paulo tem sido um exercício de equilíbrio, bom senso, prudência e fé. Para quem tem acompanhado os noticiários, já sabemos que do início da semana pra cá a média de mortes por assassinato tem sido a de dez pessoas por dia, desde que a polícia decidiu dar a baixa anti o tráfico de drogas iniciado na favela de Paraisópolis na segunda feira depois das eleições. Já há algum tempo as cracolândias têm se expandido no centro e nas periferias de forma vertiginosa, as pessoas que residem nesses locais estão ilhadas e temem perder a própria vida obedecendo ao "toque de recolhimento" no final do dia imposto pelos bandidos. Comércios abandonam pontos, pessoas abandonam residências e não conseguem comercializar seus imóveis. Quem mora nesses locais precisa chamar viatura de polícia pra conseguir entrar e sair de casa tentando não ser atacado por um bando de zumbis noiados. O pior é que dentre os zumbis estão crianças, mulheres grávidas e uma infinidade de pobres coitados que já perderam toda e qualquer perspectiva de vida, mas que ameaçam a daqueles que ainda a tem.

Uma mãe, um adulto, em primeiro lugar pensará em garantir a si mesmo e aos seus. Não medirá esforços para que seus filhos sobrevivam ao caos e garantam um futuro digno para eles e seus descendentes. Trinta e cinco ônibus já foram incendiados pelos bandidos para baixar o terror na sociedade em pontos distintos da cidade no intuito de dispersar a ação dos policiais. Até que ponto você está seguro no seu bairro ninguém sabe. É factível pensar que num belo dia você possa sair para passear com o seu cachorro, seja abordado por um bandido ou por um nóia e seja lá o que Deus quiser. Nessa hora eu me lamento muito pelo Brasil ser o país da festa, da malandragem e que a seriedade não seja uma qualidade cultivada como atributo de identidade nacional. Ser alegre é uma coisa, ser alienado e se permitir tanta vulnerabilidade é outra.

Aí eu pergunto: aonde está o espaço para o velho e para o envelhecimento no meio disso tudo? Como é que as famílias vão cuidar dos seus idosos se morrem de medo de perder suas crianças? E os idosos merecem finalizar um percurso de vida em condições precárias, entre pessoas estressadas, que vivem em permanente estado de alerta? Um idoso significa um percurso inteiro de uma vida. Não faço a apologia de que todo velho seja "flor que se cheire", mas muita gente que dá trabalho na velhice foi ser humano de muito valor na juventude e na maturidade, fez muito por muita gente e merece finalizar a vida nesse planeta de forma digna. No meio do "salve-se quem puder" quem acaba saindo por último, infelizmente é o velho.

A condição humana precisa ser repensada com urgência e atitudes têm que ser tomadas. Antes que seja tarde demais e sobre para nós. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Tá tudo errado nesse mundo (imagem ilustrativa - não acompanho mais novelas)




Na minha modesta opinião esse tema deveria ser o mais banal desse mundo se a humanidade tivesse seguido a um conceito básico e simplório de evolução. No entanto, continua tão em voga que é tema para reprise de novela explorando o lado mais pastelão, mais primitivo, imbecil e frívolo da raça humana.

Não bastasse os problemas sérios que afligem a humanidade, não bastasse a natureza estar se comportando de forma atípica, não bastasse as desigualdades sociais, as injustiças, as guerras estúpidas, as intrigas causadas por religião, as pessoas ainda fomentam esse tipo de guerrinha de nervos absurda, ao invés de buscarem uma compreensão mútua que levasse ao bem comum. E a mídia, pra variar, explora esses temas fomentando os sentimentos mais baixos que elevam o ibope, sei lá meu Deus, por que.

Guerra dos sexos: que lindo. Sejamos então todos homossexuais sem o menor preconceito. E repartamos esse mundo como os antigos internatos salesianos: São José para os meninos e Maria Auxiliadora para as meninas. 

Uma coisa que eu me questiono é a praticidade e a utilidade de certas atitudes e hábitos que as pessoas insistem em tomar. Com tanto perigo nas ruas, gente surtando no trânsito, criança drogada de crack que pode ameaçar sua vida, gente desorientada por tudo quanto é canto, eu me pergunto quando é que vai surgir um movimento que se ocupe com o bem viver. A arte de bem viver, de respeitar, de tolerar as diferenças, de respeitar o jeito do outro, de cultivar a gentileza, de dizer bom dia, boa tarde, boa noite, obrigado, por favor, "tchau". Tem gente que nem isso diz. Tem gente que desliga o telefone sem dizer "tchau".

Quanto aos sexos, a situação atinge uma proporção tão ridícula quanto "inconvivível". Houve sim uma revolução feminina nos anos sessenta com a criação da pílula anti concepcional que mudou tudo e isso é muito recente. Até os anos sessenta a natureza tinha projetado as mulheres hormonalmente para procriarem. isso significa que elas deveriam entrar e sair em ciclos constantes de produção de um hormônio chamado prolactina. Esse hormônio, por acaso, estabiliza o humor da mulher e a torna mais dócil. 

Acontece que qual vai ser a doida da mulher sã que vai entrar na vibe de ter um filho atrás do outro com esse mundo do jeito que está? E o preço que a mulher está pagando pela independência de controlar o ato reprodutivo? Em primeiro lugar, ela paga com a própria saúde, em segundo lugar, ela assume todos os papéis possíveis e imaginários que um ser humano é capaz de assumir. Minha avó não sabe o que é TPM. Não é interessante isso?

Eu não vou cair na baixaria de falar que o homem folgou demais depois que a mulher passou a ser provedora da família porque entraria na dita "guerra dos nervos". Mas o fato é que não posso deixar de dizer que a mulher, principalmente depois que é mãe, se acostuma a pensar em todo mundo antes de si. Primeiro ela pensa no filho, depois no marido, aí numa série de obrigações infinitas, aí ela vê na televisão que as atrizes globais têm 50 anos e aparentam 30. Entra numa neura violenta, se acha uó, vai pra praia e não consegue ignorar que o marido não disfarça a baba que escorre pelas gurias de 20. Quando é separada é mais legal: ela tem que impor moral na casa dando uma de "mãe casta", dar conta de tudo e mais dez tantos e o ex dela sai de "tio sukita" pra mostrar pros filhos como ele é "o garanhão". 

Eu não sei como é vida de homem, mas vida de mulher não é fácil e a última coisa que a gente precisa nessa vida é guerrear. Eu não quero medir forças com homem nenhum, mas estou treinada pra virar uma dinossaura, porque tive que aprender a defender a minha cria. Do meu ponto de vista, seja inter ou entre sexos, as palavras são: companheirismo, compreensão e parceria. Mulheres não têm que competir entre si, tem que saber que a sua semelhante tem no pé um calo muito parecido com o seu e os homens... eu sei, lá. Os homens têm que tratar do processo evolutivo deles.



sábado, 25 de agosto de 2012

Do Ciclo Mutações à novela das nove





Tenho assistido às palestras do Ciclo "Mutações: o futuro não é mais o que era" promovido pelo SESC. Na abertura o palestrante foi José Miguel Wisnick, em seguida Olgária Matos e Sérgio Rouanet. A conversa vai longe... até o mês de outubro. Até agora, as palestras têm sido excelentes, ou excelentes pra mim, por não ter qualquer formação na área de Filosofia. Acho linda a articulação intelectual dos palestrantes e pensadores.

O fato é que muito foi dito sobre os caminhos que a humanidade percorreu para chegar no ponto onde estamos e o tema é justamente o futuro. Quando chega "no futuro" a conferência acaba. "Não é mais o que era". Pensando nisso arrisco afirmar que nem o passado e muito menos o presente. Nem nossas próprias vivências representam o que já representaram um dia, nossa perspectiva de vida provavelmente não segue àquela linearidade que um dia achamos que pudesse seguir, nossos filhos não são as crianças que tentamos encaminhar para o mundo, estamos vivos porque somos seres adaptáveis e nossa espécie se preservou justamente por esse caráter "mutante" que possuímos. É cada tombo, cada tropeço que a gente dá, que às vezes pensamos que não daremos conta, mas o tempo dá conta e seguimos em frente. Não sendo mais o que éramos a cada instante. Felizes ou infelizes, resignados ou revoltados, otimistas ou pessimistas, alienados ou questionadores, seguimos. E vamos falando sobre coisas que a gente entende e não entende: sistemas em rede, globalização, cibernética e a expansão do universo. E vamos também lamentando a falência do espírito, a degradação dos valores, a falta de liberdade que a gente não sabe por que sente, que é a dívida que move o mundo e a falta da alma nas nossas relações "pseudo" afetivas.

E aí eu saio do seminário e vejo na telinha do ônibus "manchetes" sobre o desenrolar da "Avenida Brasil" congestionada na Avenida Paulista. De novo começo a achar que "nasci há dez mil anos atrás" ou não, deveria ter nascido daqui há dez mil anos. Essa novela me assusta. E o pior é que não há nesse país nada que diagnostique melhor o comportamento da população geral que a novela. Principalmente essas que passam depois do Jornal Nacional. Eu assisto novela para entender muitas coisas. E o que foi que aconteceu? "O mamute virou merda?" E novela não só forma a opinião pública como  mostra o comportamento do povo. É por isso ele assiste, acompanha e se identifica. Meda! 

Embarquemos num papo de comadre: "Avenida Mamute". A protagonista é uma sádica, já tá dando pena da vilã. O Tufão é um tonto, o Jorginho idem. O Cadinho é trígamo documentado por iniciativa das três mulheres. Não tem um velho sábio, aliás o que é o papel do grande ator Marcos Caruso? Todo mundo engana alguém, menos a Monalisa e a crente que agora deu de se autoflagelar. A criança que não mora no lixão é obesa e tem complexo de rejeição. As que moram não têm perspectiva de vida. A Ivana com aquela vozinha de Xuxa chamando o marido "pra caminha" dá náuseas. Todo mundo que apronta se acha o máximo e os mais ou menos descentes só se ferram. A piriguete é quem mais tem caráter e joga limpo. Não tem um "amor" naquela novela. Nem precisa ir ao seminário pra se convencer de que o espírito acabou. E a trilha sonora? Começa com "oi,oi,oi"; segue pra "ai, ai, ai" e termina com "tchu, tcha, tcha".Se é que as relações viraram o que está passando na telinha, de fato não há como haver futuro. E nem precisa ser filósofo, sociólogo ou antropólogo para chegar a essa conclusão.

Realmente o futuro nunca será o que era porque ele sempre será o que nunca foi. O descartável acabou com nossa noção de durabilidade e cuidado no presente e o passado cada um armazena como consegue. Parece que estamos aprisionados num eterno instante... não com a potência que Nietzsche propôs, mas esperando qual vai ser a próxima inovação tecnológica. E dá-lhe cartão de crédito porque afinal de contas precisamos de uma motivação para trabalhar: pagar as contas.

Sempre saio do SESC meio zonza depois de ouvir e viajar na filosofia. Todo dia a mesma platéia. E as pessoas têm essa coisa canina de demarcação de território, porque já reparei que se assentam sempre nos mesmos lugares e chegam nos mesmo horários. Todo mundo já se viu e ninguém se fala nem no elevador. Desconfio de que em ambiente de intelectual, o chique é ser "blasé". Ainda bem que dá tempo de assistir "Gabriela". Rego minhas plantas, levo a cã pra passear e dou um beijo no meu filho. "Um outro futuro..."  

        








quinta-feira, 5 de julho de 2012

Pelos nossos filhos

Quando eu terminar esse texto terá amanhecido. Hoje é dia 5 de julho de 2012 e não será necessário mencionar o que aconteceu porque terá se tornado uma data histórica nesse país. 

Moro numa região privilegiada no centro da cidade de São Paulo que está entre as maiores metrópoles do mundo e é o centro de decisão econômica do Brasil. Sou uma pulga no meio do mundo, mas posso ser uma pulga com um excelente campo de visão. A partir de hoje, nunca mais terei qualquer sentimento nacionalista. Não é possível concordar com o que está acontecendo aqui, porque essa cidade representa uma nação e eu estou exatamente no meinho dela. 

O noticiário que está passando na emissora de TV que controla a opinião pública comemora efusivamente a noite de hoje. Já houve outro, nessa mesma emissora, que anunciou alegremente que hoje poderia ser um feriado nacional. Que bom, né? Tudo isso por causa de um jogo de futebol. Vamos continuar observando, que a repercussão desse evento poderá mobilizar mais a nação que o impeachment do Collor.

O fato é que, numa proporção percentual infinitésima perto de tudo que poderia estar ou está acontecendo agora por causa disso e a gente não vai saber, tenho um filho esgotado porque não conseguiu dormir, que faz dois cursos amanhã e terá compromissos assumidos até o final do dia, uma cachorrinha que gemeu a noite inteira e está com a pele do dorso inflamada de erupções cutâneas que surgiram de ontem pra hoje, uma funcionária que sai lá do meio da periferia e já teve que acordar pra pegar sei lá quantas lotações e tem uma filha recém nascida que provavelmente passou a noite inteira chorando e eu apenas vacilei ontem conversando até tarde com meu filho que não mora aqui e tive que sair cedo de casa pra resolver um monte de coisas, só voltando tarde e cansada pra casa. E isso não é mesmo absolutamente nada, perto de quem está internado em UTI de hospital público, dos profissionais que atuam nesse tipo de local e das vidas que estão em suas mãos. Sou da área da Saúde, apesar de artista e sei direitinho como é o atendimento médico do pobre. E isso aqui é uma metrópole de proporção mundial.

Só que hoje foi inferno pra policial, pra trabalhador exausto, pra profissionais que lidam com situações de risco, pra idoso, pra bebês, pra pessoas com fragilidades físicas, doentes e quanto maior o nível da pobreza, pior fica a situação. Eu poderia dar um "pé" nesse texto, porque nada disso me atinge diretamente, mas será possível que todo mundo continuará ignorando que o "todo" pode uma hora afetar a vida de quem pensa que está protegido?

Será vantagem pro seu filho ter sido educado numa escola boa particular e viver num país que NÃO valoriza a educação? Num país em que não se pode mais fumar em lugar nenhum, todo mundo tem que ser magro e saudável e ao mesmo tempo pode votar em bandido, não ter saneamento básico pra um monte de gente, um índice de pobreza que não condiz com a renda que passivamente colocamos nas mãos do Governo com nosso trabalho através dos impostos mais altos do mundo, que rico pode se drogar, mas pobre vai pro inferno e ainda é controlado por uma emissora de TV, por causa de uma imensa população de gente ignorante que não foi educada para ter senso crítico e é completamente dominado pela mídia? Foi assim que o Japão saiu da lama? Claro que não. O Japão se tornou grande potência mandando estudantes para países ricos para aprender tecnologia e depois fizeram melhor que esses países. Alguém acha que seremos respeitados no mundo por termos tido um presidente semi-analfabeto, porque as mulheres daqui têm bunda bonita, todo mundo é feliz e contente e porque o Timão ganhou a taça? Quem souber o basiquinho do vestibular de história, se parar pra pensar, vai concluir fácil, que os fortes são fortes porque fizeram por merecer. 

Na minha vida o "tão sonhado título" serviu sabe pra quê? Pra incentivar meus filhos a estudarem alemão e acelerarem com o pai o processo da dupla nacionalidade. Eu particularmente, não me adaptaria à cultura alemã nesse ponto da minha vida. Mas já fui jovem, cheia de sonhos, potenciais e vida como eles e decidi ficar aqui, quando por ironia do destino, poderia ter ido para o mesmo país em condições parecidíssimas com a deles. E uma pessoa que só ouvia música clássica aos dezoito anos, aos quarenta está de saco cheio de música clássica por ter sido obrigada a realizá-la com um nível inferior ao próprio padrão mínimo de qualidade, porque decidiu viver de música, num país em que UM único local consegue fazer dinheiro com esse produto. Esse local é a Sala São Paulo que foi totalmente estruturada por um sujeito cujo sobrenome é NESCHLIG. Sabem no google quem vem antes? John Nash, John Napier e John Newton. O próximo na lista é o John Neschling. O resto, o que é bom,  quem toca naquela Orquestra e quem trabalha naquela empresa, quem sabe, sabe. 

E falando como fonoaudióloga que estudou pra burro a voz cantada, fez Especialização, Mestrado, pergunto algumas coisas: o que é a música vocal dentro desse país? Aonde estão nossos excelentes cantores eruditos profissionais? Com quem estudaram? Quanto é o salário de um professor universitário? Será que estou a fim de encarar quatro anos de Doutorado ou abrir uma lojinha? Será que vou confiar no Governo e no INSS que pago, ou num plano de Previdência Privada? Em certos países, a voz é tratada como a medicina dos esportes. O sujeito é preparado artisticamente e tecnicamente como um atleta que vai para as Olimpíadas pra ganhar o primeiro lugar. Como levar a sério tudo o que acontece por aqui? O que foi atriz global cantando o FAME que a Irene Cara imortalizou? E isso é o que há de melhor, que dá dinheiro em música, tirando a Ivete Sangalo, a Cláudia Leite, as empresas das Micaretas, os sertanejos e agora o "tecnobrega"? Dessa galera, respeito Joelma e Chimbinha que se fizeram sozinhos. 

Se tá todo mundo achando ótimo pensar no botox, na bunda, no bundalelê e no tão sonhado título do Timão, então, meu amigo, você caiu no lugar certo. E desejo ao Brasil que o próximo presidente seja o Sr. Presidente do Corínthians.   


segunda-feira, 2 de julho de 2012

Minhas Mandalas


Água

A mandala é construída sobre círculos e quadrados. As duas formas geométricas privilegiadas por Jung. O círculo representa o infinito e o quadrado a estabilidade. Decidi desenhá-las enquanto ouço a voz ardida da Carminha (novela das 9 - adoro!). Pesquisei no dicionário etimológico e no meu, essa palavra não se encontra. Pesquisei no google e pouca coisa consegui obter. Acho que esses desenhos circulares têm alguma mágica que talvez poucos conheçam. Eu mesma só posso afirmar que não consigo mais sentar na frente da TV sem um papel cançon e lápis de cor. Já fiz várias, mas as últimas foram presenteadas. Estou experimentando o lápis aquarelável. Essas aí foram com os lápis de cor antigos dos meninos que sobraram dos vários materiais escolares comprados ao longo de muitos anos...

Essa foi a primeira. Água. Meu signo e meu ascendente. Elemento feminino que muda com a lua, os líquidos que circulam, organizam e desorganizam toda mulher. Fiz esse desenho pensando na música "Alfonsina y el mar" de Ariel Ramirez. Alfonsina foi uma poeta que decidiu entregar sua vida às águas oceânicas. Ramirez criou um lar mágico em sua canção nas profundezas do mar para ela. Cinco sereias a recebem e a conduzem para um paraíso marinho onde ela encontra o ambiente ideal para escrever seus versos e pergunta:"que novos versos fostes buscar?" Esse fundo do mar tem efeitos fluorescentes, caracóis, cavalos marinhos, silêncio... Essa mandala é a única das quatro que não é feliz. O sentimento dela é o de Alfonsina que não conseguiu sobreviver na superfície do mundo, tal profundidade a alma dela deveria ter. Que pena...

"Oh, mar, enorme mar, coração feroz de ritmo desigual, coração mau. Eu sou mais tenra que esse pobre pau que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas..." (Alfonsina Storni) 

Tem outro verso no gênero que é da Hilda Hilst e gosto muito: "Tenho meditado e sofrido irmanada com esse corpo e seu aquático jazigo. Pensando que se a mim não deram esplêndida beleza, deram-me a garganta esplandecida, a palavra de ouro, o sumarento gozo de cantar iluminada, ungida..." (Lindo, né?)

  


Terra

Essa mandala é bem sólida. A terra me encanta demais, tanto que tenho uma horta no meu apartamento. (Ontem despencou um vaso que felizmente não era meu, da mesma sacada em outro andar, em cima de um carro importado... Desci a horta inteira pro chão. Deus me livre se despenca uma jardineira!) A desenhei com muita simplicidade, como penso que deve ser a vida na terra. A terra é muito generosa, é estável, é vaidosa e também possui uma certa luxúria no suco das frutas e no formato de certas flores. A terra provê, alimenta, nutre, cuida. Os gregos chamavam a terra de Gaia, a grande mãe e ela é mesmo muito feminina. Ceres é a Deusa mãe e também representa o trigo. Ela é a mãe que cuida de Perséfone, sua filha que foi raptada "pros infernos gelados dos gregos". Só Ceres consegue convencer Hades ("senhor das trevas gregas")a compartilhar a filha de seis em seis meses. Seis com a mãe e seis com o maridão. Está aí um elemento que muito me agrada e que também possuo tanto quanto a água. Marte e Vênus em touro. Me salvam das abstrações aquáticas. Taurinos combinam demais comigo. A gente só sai de casa se for pra ir em lugar muito bom ou muito ruim. Sem beleza por perto ou pelo menos bom gosto, a gente não sobrevive. Meu avô era taurino, pobre, mas elegantérrimo e amigo de verdade mesmo do Portinari. Compunha, cantava, tocava, escrevia teatro e ainda promovia por diletantismo eventos "de responsa". Ele conseguiu levar a Niza Tank no auge da carreira pra cantar em Batatais! Geralmente bons de garfo, mas o paladar vem na frente. Amiga taurina, comigo em shopping, é falência. A terra não sobrevive sem a água e em baixo de toda água tem terra por mais fundo que seja. Dois universos que se complementam, como o ar e o fogo. São contidos, pés no chão mas sabem se divertir com os aquáticos. E nunca dão presente ruim (taurinos e capricornianos - desculpa aí, mas ganhei um romântico DICIONÁRIO de presente de aniversário de um virginiano "ex-mai-love"). A terra é estável, mas quando explode também, vira vulcão. Não provoco terráqueos, como me divirto provocando os "inflamáveis"...  

Tem uma poesia que eu acho muito "terra" do Fernando Pessoa: "Segue teu destino, rega tuas plantas, ama tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias. A realidade é sempre mais ou menos do que nós queremos. Só nós somos sempre iguais a nós próprios. (...) Mas serenamente imita o Olimpo no teu coração. Os Deuses são Deuses porque não se pensam." Pode escrever isso na minha lápide, tá, Funérea?



Ar

Esse elemento é o que tenho em menor quantidade no meu mapa natal. Graças a Deus, porque se juntasse o jeitão evasivo da água com a dispersão do ar eu tava frita. Tenho ar o suficiente para me antenar e me interessar por muitas coisas e não suporto o vácuo. O ar é leve, é sexy, é visionário, é charmoso. Seduzir é meio que "saber prometer"... As pessoas que conheço "aéreas" são, a princípio, muito interessantes e atraentes. Todas são muito agradáveis e comunicativas, rápidas no raciocínio, espirituosas. Indecisas também. Algumas são consistentes e têm uma inteligência impressionante, outras, parecem que sabem sobre tudo e um dia você vê que sabem mesmo, só que com a profundidade da revista Caras. Jamais bata boca com aéreo. Eles nasceram com o dom da retórica e vão confundir você mesmo quando você tem certeza absoluta do que está dizendo. Se você for aquático, mesmo se não entenderem nada do assunto, conseguem fazer você mudar de opinião. Tem uns aéreos engraçados que se acham super espertos, cheios de ideias geniais e só fazem "m". Meu sobrinho é um geminiano encantador e fiz essa mandala pensando nele. Tive dois filhos "fogo" e fico impressionada como meu sobrinho se concentra, necessita de explicação pra tudo e insiste em aprender coisas diferentes e adquirir novas habilidades, justamente aquelas às quais sente mais dificuldade em realizar. Ele tenta, tenta, insiste e consegue. Claro que depois de desinteressa. Fofo! Os meus, se o brinquedo não funcionasse, ou tacavam no chão, ou achavam algum lugar para se acidentarem, ou saiam na pancadaria um com o outro. (Arianos? Acho que ariano quando não tem nada pra fazer arruma uma briguinha pra espantar o tédio...)

Na verdade, duas músicas estavam na minha cabeça quando desenhei isso, além do meu pequeno príncipe. Uma eu acho até meio engraçada: "Eu sou nuvem passageira... que com o vento se vai... Eu sou como um cristal bonito... que se quebra quando cai. Não adianta escrever meu nome numa pedra porque essa pedra em pó vai se transformar. Você não vê que a vida corre contra o tempo? Sou um castelo de areia na beira do mar... Ah... Ah..." (Hermes Aquino) As reticências são pro ar passar livre, leve e solto...

A outra é o Trem azul do Lô Borges. Reparem a quantidade de ar que tem nessa música: " Coisas que a gente se esquece de dizer, frases que o vento vem às vezes me lembrar... Sonhos que ficaram muito tempo por viver... Na canção do tempo não se cansam de VOAR..." 





Fogo

Esse elemento é um grande barato e tem tudo "haver" comigo também. Por incrível que pareça, as proporções de água, terra e fogo em mim são as mesmas. Entendo bem o fogo, sou mãe de dois representantes legítimos desse elemento. Quando o homem primitivo passou a produzir o fogo, tudo mudou. Transformações químicas, a princípio, dependiam do fogo, o gás do fogo é fonte de energia. A cor é frequência de luz e o "fornecedor" é o sol, que é fogo. Qualquer transformação de vida precisa de muito fogo nas veias e o coração é o órgão do corpo que representa o fogo. Guerra e paixão são fogo total. Na mandala fiz pequenos corações com veias e artérias se cruzando com o formato do infinito. As flores crescem em direção à luz. E claro, os arco íris que são a mais pura frequência de luz em contato com a densidade da água. Fogo também queima. É encrenqueiro, briguento, mandão, meio malvado, mas é muito alegre, divertido e sincero até demais. "Fogo" costuma pisar na jaca todo dia, mas segue adiante iluminando o mundo e fazendo valer as vitaminas que só são absorvidas pelo corpo em contato com o sol. Um dos meus filhos desde bebê tem predileção pela cor vermelha (ontem, por "coincidência" - ele não lê de jeito nenhum esse Blog - ele disse que vai criar um Blog chamado "Vermelho". Juro!). Ontem de manhã com cara de sonso tava lá ele tentando dar "uns cata besta" na diarista. Zoando. Adora chamar a atenção com um jeitão de "alternativo" mas nem é tanto assim. É um cara "normal que não saiu do armário". Seria doida se colocasse a mão no "fogo" por ele. Uma palavra que o define é "exibido", mas admito que faz sucesso. Ele provoca! O outro não fica atrás. É mais centrado e discreto, mas quando solta o vozeirão grave de comando, até eu tremo. Parece um leão rugindo. E a cabeça pra inventar bobagem empata em nós três, só que como ele é sério, a besteira fica mais engraçada ainda. Ele trabalha muito bem com edição de vídeos e sempre faz um "valendo" e um "zoado". Eu ADORO os zoados. Teve uma vez que ele sombreou a imagem do traficante, mudou a frequência pra ficar com voz de esquilo e colocou legenda quase trancrição fonética com as "gírias mano" e um quadradinho em cima com um travesti fazendo linguagem de sinais, nada a ver com a fala dos caras - cereja do bolo. A diferença dele pra mim e pro irmão é que ele não assume que também é retardado. E tem outro probleminha: ciúmes. Preciso namorar escondido deles, se não minha vida vira um inferno. Agora quando alguém começa a ligar muito pra cá, os dois combinaram de perguntar com o vozeirão grosso, que na fala deles triplica os   decibéis (fonoaudióloga estúpida que escreveu Hz. Doida, sequelada!) do meu "dó 5": "é você que vai ser nosso novo papai?" Ninguém merece... 

Eu também tenho uma citação do Fernando Pessoa que me remete ao fogo: "Sentir tudo de todas as maneiras, viver tudo de todos os lados, ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, realizar em si toda a humanidade de todos os momentos(...). Tudo é a razão de ser da minha vida." (Eu amo esse cara).

E o João Bosco que já citei no face: "Recomeçar, recomeçar como canções e epidemias (...) Recomeçar como a paixão e o fogo, e o fogo..." Recomeçar e mudar é dureza. É superação... Só com fogo mesmo.

Tem uma poesia do Jorge Luis Borges que foi escrita para "Jacinto Chiclana" que deveria ser um cara bem fogo. "Jamais se viu qualquer homem (como ele) no amor e na guerra."


A Jana disse aí no comentário abaixo que tem o elemento Éter, por isso mudei o texto anterior. Fui corrigi-lo mas desbocada, acabei escrevendo o dobro. Espero não ter me excedido. Com meus dois marcianos em casa nas férias é natural que fique mais pilhada...

Espero não ver mais erros graves nesse texto. Se tiver, ficou. Me recuso a ler isso de novo! Vejam as mandalas e ignorem o texto que talvez seja melhor. Parti pra sempre dessa postagem.
      

sábado, 2 de junho de 2012

"Insights" sobre a velhice a partir do debate promovido pela Senadora Marta Suplicy na PUC




Antes de iniciar essa postagem, quero ressaltar que esse Blog é sobre velhice e envelhecimento. Adoro velhos e adoro quem se interessa por essas questões, porque pensar em envelhecimento é pensar na sua avó, na sua mãe, em você, no seu filho e no seu neto. Nasceu, tá envelhecendo. Os cuidados para a manutenção da saúde e da aparência são muito abordados, por isso gosto de levantar aspectos que acredito que têm tanta importância como esses e que as pessoas evitam de falar ou pensar sobre eles. A velhice sempre é abordada com distanciamento, porque nunca nos incluímos na causa. Como constatou minha orientadora "velho é o outro" em qualquer idade. Velho é quem está pior que eu. E esse Blog é meu, né? De vez em quando vai aparecer um acesso de criatividade, uma brincadeira ou uma bobice qualquer, porque esse é meu jeito e eu sou assim. Isso não vou mudar, porque tem gente que não entende e não gosta. Eu não acesso Blogs que não gosto e também não meto o pau neles. Putz, o Blog é do cara e ele tem o direito de pensar e se expressar como bem entender. Essa liberdade deve ser respeitada, penso.  

Anteontem, na PUC, houve uma audiência pública promovida pela Senadora Marta Suplicy sobre um Projeto de Lei que visa regulamentar a Profissão do Cuidador do Idoso. Eu nunca a tinha visto pessoalmente e fiquei muito bem impressionada com sua postura diante do público que estava muito a fim mesmo de participar da discussão. Ela ouviu todas as pessoas que quiseram se pronunciar com o maior respeito. O projeto dela é muito bom e ela se mostrou disposta a revê-lo para que fique ainda melhor e viável para que se torne uma Lei. 

O que eu acho que cabe refletir aqui não é esse projeto, mas o significado social da velhice no Brasil e isso cabe a nós que estamos envelhecendo. O Brasil carrega uma identidade de beleza corporal e só isso é uma questão que dificulta a aceitação da velhice. Numa audiência pública fica claro como diversos tipos de segmentos da população, especialmente os ligados à velhice, veem essa questão. As pessoas que se  colocaram deixaram transparecer fortemente como a velhice é raciocinada como sinônimo de incapacidade e doença. A administração de medicamentos ao idoso foi o ponto que mais gerou polêmicas e discussões. Eu saí de lá pensando em muitas coisas que foram ditas e quero compartilhá-las aqui "no meu quadrado".

Há pessoas doentes que precisam de enfermeiros e há pessoas frágeis que necessitam de cuidados e atenção. Determinar que todo idoso é doente e necessita de alguém com a capacitação profissional de um enfermeiro é uma irrealidade. Da mesma forma que os recém nascidos e as parturientes necessitam de uma atenção mais direcionada às suas necessidades específicas, que podem assumir diversas configurações, assim são as questões transpostas para o caso do idoso. Cada caso é um caso e essa foi a dificuldade do diálogo na audiência: definir quem é o sujeito idoso para determinar qual é a função do cuidador. Acho que cabe ao contratante uma orientação para decidir que tipo de profissional necessita e pode pagar. Regulamentar essa profissão é importante demais, assim como acho que deveriam fazer a mesma coisa com as cuidadoras de "recém mamães" e "recém pessoas". O acompanhamento de um profissional que tenha um treinamento adequado para lidar com as especificidades desses momentos de vida é muitas vezes de importância fundamental.

Eu, particularmente, acho a vocação para a enfermagem, coisa de gente "meio anjo". Tive contato direto com enfermeiros que tiveram um papel determinante na recuperação de doenças muito complicadas, especialmente as que envolveram lesões cerebrais. Dei aulas de canto - isso mesmo - para pessoas que tiveram o cérebro baleado, por indicação de assistentes do famoso Nuno Cobra. Saia das sessões esgotada e muitas vezes me perguntei como os enfermeiros aguentam rotinas tão árduas, difíceis e conseguem estar sempre tão disponíveis aos pacientes. Quanta paciência e dedicação requer a enfermagem, quanto comprometimento e responsabilidade. Esses profissionais merecem uma remuneração condizente com suas funções e o reconhecimento da importância do seu trabalho. Compreendi melhor também, depois da audiência, as questões que envolvem o exercício da profissão de enfermagem. E eles estão certíssimos de se posicionarem. Não se pode confundir jamais o papel do cuidador e do enfermeiro.   

A velhice traz fragilidades, mas fragilidade não é necessariamente uma doença. E não pode virar. Nem a velhice, nem o nascimento podem ser tratados como doença, por serem o percurso natural da vida do ser humano. Há uma sabedoria do corpo para gerar uma vida, para sobreviver ao trauma do nascimento, para envelhecer e para morrer.  Precisamos acreditar que isso nos foi contemplado pela natureza. Muitas pessoas adoecem apenas por se darem conta de que estão velhas. Tem um filme lindo que se chama "A excêntrica família de Antônia" que mostra, dentre muitas realidades da vida, a morte de uma mulher que viveu conectada a essa sabedoria natural.  Indico muito. Tenho em DVD e o assisti várias vezes. Empresto para quem quiser, mas tem que se lembrar de me devolver, porque eu sempre me esqueço pra quem empresto minhas coisas. 

Quando o idoso se encontra incapacitado e necessita de atendimento médico constante, a família ou a instituição que cuida dele deverá saber que há a necessidade de um atendimento de enfermagem. Isso é uma questão de bom senso e esclarecimento. Se o idoso precisa de alguém que o lembre de tomar seu medicamento via oral nas horas certas, o ajude a se movimentar em algumas situações, o acompanhe nas atividades do dia a dia e lhe dê atenção, ele precisa de um cuidador. 

O velho está sendo estigmatizado como incapaz e mentalmente comprometido. (Ou então não é velho?)  Hoje são nossos pais e avós, amanhã seremos nós, se formos resistentes à vida e não morrermos antes de atingirmos a velhice. Já houve tempos em que respeitar os idosos era uma obrigação, suas opiniões e decisões eram acatadas, independentemente das condições que apresentassem e muitas vezes a contragosto dos familiares. Acho que o resgate desses valores é saudável e necessário, embora sei que me dirão que é utópico. Se a sociedade continuar definindo a velhice com tantos atributos pejorativos, logo logo ela se tornará algo insuportável e vai sobrar para nós. Quando o grupo social "sela" um conceito, todos acolhem seu significado e quem se recusa sofre pra burro. Por isso é importante construir um significado menos negativo para a velhice e isso cabe a todos nós que estamos envelhecendo. Eu não quero ser tratada como incapaz, doente e boba quando atingir a velhice, se Deus permitir, só por ser velha.

Em 2050 as estatísticas preveem um Brasil com 172 idosos para cada 100 jovens. Pode ser que em 2050 eu esteja viva com 88 anos. Quero estar num país que me proporcione boas condições de vida e isso já vai ser meio difícil, porque se isso acontecer, teremos com certeza, sérios problemas relacionados a assuntos previdenciários. Que bom que as políticas públicas querem tomar providências para melhorar a qualidade de vida dos velhos. Não podemos nos esquecer jamais que os políticos devem representar a nossa voz. E não podemos nos esquecer principalmente que não basta ter a voz, mas saber o que dizer.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Oito ou oitenta






Engraçada essa coisa de quem se dá conta de que gosta de estar nos opostos. Os extremos sempre me atraíram. Bebês e idosos - idoso mesmo - a desconcertante lucidez e a loucura, o requinte e o mau gosto autêntico, a alta culinária ou a comida do boteco vagabundo, intelectuais de verdade e excluídos da sociedade, a obra de arte e a jarra de suco com formato de abacaxi, música de alta qualidade ou fuleragem total. Meu filho Matheus e o Raul Seixas. Gosto de habitar entre pólos opostos.

Eu gosto muito de música cafona, mas tem que ser cafona de verdade. Essa breguice arrumadinha que a mídia vende, eu detesto. Música cafona tem que ser mal produzida, mal arranjada, mal gravada, mal cantada (não pode ser afinada artificialmente), mal tocada, tem que ter instrumento que soa como o tecladinho das "Organizações Tabajara", a letra precisa ser muito ruim e ter algum errinho de português e o intérprete tem que se vestir "de acordo". Isso é o brega de qualidade. As funcionárias da minha mãe ouviam rádio AM quando eu era criança e o que tocava era incrível. Os loucos são instigantes, os bebês e as crianças pequenas geniais, o mau gosto autêntico é uma estética interessantíssima e a comida dos botecos vagabundos acompanhados por uma cervejinha gelada, sensacionais. Você ainda sai com aquela emoção de ter comido algo que poderá lhe fazer mal no dia seguinte. Uma diversão incrível são os karaokês de fundo de bar (vagabundo) com volume altíssimo, microfonia, microfone falhando, caixa de som  chiando, barulheira no ambiente, gente sem noção emocionada levantando os braços, cantando junto "com emoção" e um monte de gente "alta" abrindo o coração em letras de música que choram dores de corno, filosofias de frases prontas, lugares comuns, clichês a dar e vender - mas que para eles são profundas verdades e eles mostram isso nas suas interpretações dramáticas - o acompanhamento daquele sampler vagabundo com aquelas imagens de paisagens e as letrinhas que acendem conforme a música vai passando. Mais legal ainda é a concentração do cantor que segue a letrinha na hora exata em ela que acende, na adrenalina da expectativa para obter uma "pontuação" alta. Adoro essa coerência. Por outro lado, o que dizer da gastronomia de verdade? Puro deleite, arte comestível: "arte culinária", né? E os ambientes realmente requintados frequentados por pessoas que combinam com eles? Você sai de lá se achando até mais bonito, mais elegante, mais importante, mais fino e até "diferenciado"...

O velho é uma escola. Qualquer velho é uma escola, mesmo os demenciados, os doentes e os que têm  patologias degenerativas. Todo velho é uma escola e pode lhe ensinar inclusive aquilo que você não quer para si mesmo no futuro. As verdades que você ouve diretamente e por trás do que eles dizem são conclusões de uma trajetória de vida. O "finalmente" não tem travas, pra quê ser falso e hipócrita no fim da vida? Um excluído é capaz de dizer coisas que um sociólogo famoso jamais se atreveria. Quem não tem nada a perder, não tem nada a perder. Os bebês e as crianças pequenas têm uma franqueza adorável e constrangedora e o "velho-velho" também não tem razão para dizer coisas que ele não acredita. O velho quer ser ouvido, quer mostrar que tem voz, história e ele carrega uma liberdade maravilhosa que é a de não ter que provar mais nada a ninguém. É por isso que gosto tanto de conversar com os velhos. 

O meio termo pra mim é um tédio, o medíocre e o padrão são um grande saco. O morno não o aquece no inverno, nem o refresca no verão. O clima ambiente não causa impacto, apenas mantém a sua própria temperatura. Só gosto dessa temperatura para apreciar melhor o sabor dos vegetais "à capela".

Eu gosto dos oito e dos oitenta. Gosto de observar inícios e finais de ciclos. O "oito" - além de ser o símbolo do infinito "em pé" - é a natureza humana na forma mais pura e o "oitenta" é o retorno à essa natureza. São as manifestações e expressões mais autênticas e verdadeiras. O bebê, mesmo na vida intra uterina infelizmente não é privado dos efeitos externos do ambiente no qual irá viver, mas o velho já amargou toda a cultura,  vivenciou o suficiente para apreender o mundo de uma forma particular e normalmente assumiu um posicionamento diante das dinâmicas da vida, mesmo quando não concordarmos com eles. São as suas verdades, as verdades daquilo que viveram. A irritabilidade dos velhos é o resultado de todos os seus incômodos, mas também tem muito velho chato, por se tratar de personalidades chatas, como existem criaturas insuportáveis jovens, adultas e crianças. Eu, particularmente, me interesso pelos idosos que ultrapassaram os oitenta anos. O que percebo em diversos octogenários é uma prova de resistência e de fidelidade a si mesmos. É impressionante ouvir um velho contar o que é ser velho. Quero continuar estudando os octogenários, nonagenários e puxa vida, que alegria quando  tivermos centenários para conversar. Eles trazem a história de uma era no próprio corpo, eles são o micro do macro, neles estão muitas das respostas que procuramos. Saber ouvir um velho pode funcionar melhor que uma sessão de terapia. 

Como a criança, o idoso quer sentir a valia da sua voz. Quando tratado como criança, digo aquele tratamento em que se usam simplificações desnecessárias e diminutivos, aquele em que o comunicador acha que o interlocutor tem um nível de compreensão inferior ao dele, o idoso pode até se convencer de que é incapaz de se relacionar com as demais pessoas de igual para igual. As crianças olham sempre sério para aqueles que as infantilizam e menosprezam a capacidade que têm para compreender e avaliar tudo o que é dito a elas. No fundo, as crianças tiram a maior onda com aqueles que as tratam como imbecis e são elas que acabam achando que essas pessoas são umas idiotas e estúpidas. E os idosos aceitam culturalmente serem tratados assim. Só que a criança traz em si toda a potência do início de uma vida para resistir a esses comportamentos adultos "embobecedores". Eles pressentem que haverá um momento em que poderão explodir em toda a sua individualidade... ou não... Os idosos são o oposto. Eles já usaram esse mesmo conteúdo energético durante um percurso temporal muito longo. Eles estão cansados e podem abrir mão da resistência que os impeliria a provar, mais do que qualquer jovem ou adulto, que possuem lucidez e autonomia. É por isso que eu sempre digo àqueles que convivem com velhos: não tomem a sua voz, não assumam seus lugares no mundo, não os tratem como tolos, não deixem eles concordarem que não têm capacidade para cuidar de suas vidas, não os façam acreditar que as coisas que eles dizem não têm peso nem importância, não desvalorizem suas ações, não se apropriem da dinâmica de suas vidas e não os incentivem a se acomodar. Seja a vida que for, do jeito que for, com as limitações que existirem, com o comportamento que apresentarem. Qualquer pessoa necessita sentir que alguém acredita que ela tem potenciais.

Tem um romance do escritor Lev Tolstói que se chama "A morte de Ivan Ilitch". Essa leitura mostra, com o realismo duro do russos, a vida de um moribundo que aos poucos vai perdendo o investimento daqueles que o cercam. Seu ambiente o mata antes que sua própria morte chegue.

Me disseram que após florir, o pé de manjericão morre. Deixei as florzinhas lá até para verificar se isso seria verdade. Só admirei e fotografei as lindas micro orquideazinhas, deixei-as no lugar que a natureza as colocou, no meio dos outros temperos, flores e plantas aguando-os diariamente, na mesma rotina de sempre e o pé de manjericão ainda não morreu nem deu qualquer sinal de falência. As flores já se foram, mas as folhinhas continuam temperando nossos molhos, sanduíches e pizzas com o mesmo perfume e sabor. Até me deu vontade agora de preparar um miojinho "bombado" com umas folhinhas de manjericão...








          

domingo, 27 de maio de 2012

Sinceramente...




Eu, sinceramente, acho que o mundo anda muito maluco. Quando assisto os noticiários, quando vejo o comportamento das pessoas, quando converso com estranhos, conhecidos, parentes, quando observo as relações, quando me preocupo com o futuro dos meus filhos, não consigo deixar de achar que tudo anda muito esquisito por aqui. Tudo pode, todo mundo pode caminhar para qualquer lado, mas ninguém sabe para onde ir. Essa é a minha impressão.

Me parece que a maioria das pessoas se empenha em trilhar o caminho da involução. O que vejo é uma busca desenfreada pela conquista de um reconhecimento social construído em imagens e que as imagens tomaram completamente o lugar das verdades. "Beleza" se tornou um conceito indefinível, "harmonia" é palavra que caiu em desuso (exceto no caso da harmonização musical ou naquela das escolas de samba), bondade, no sentido daquilo que "é bom" também. Me parece que sou belo na medida em que meu corpo se enquadra em padrões "adequados" e "bom" quando acredito, tenho ou faço com que as pessoas acreditem que tenho dinheiro para comprar as coisas que o mercado vende como promessa de felicidade. "Tudo que é bom custa caro."

Quase não vejo espírito crítico, não vejo posicionamentos. Quando as discussões surgem, sempre circulam em torno de temas banais e inúteis. A profundidade da análise é rasa. Ou então são discussões completamente distantes dos espaços aonde podemos atuar. Ninguém quer se comprometer. As relações humanas não têm mais solidez. Nas profissões somos nômades, nos afetos superficiais, na família distantes. Não conhecemos os mais próximos, não conversamos com vizinhos, vivemos ao lado de diversas pessoas que mal sabemos quem são. As mentes estão voltadas cada vez mais para fora e menos para dentro, nem sequer nos interessamos por conhecer a nós mesmos. Preferimos nos contentar em acreditar que somos a imagem que projetamos e caímos nesse equívoco que nós mesmos construímos.  

A nossa arte é comercial, todo trabalho é comercial, as relações são comerciais, a igreja é comercial, somos todos comerciais ambulantes, nos comercializamos o tempo todo. Marketing é tudo. Quem sobrevive se não souber se vender para o mundo? E depois, as pessoas querem cobrar uma das outras qualidades não comercializáveis. Todo mundo quer do outro respeito, sinceridade, honestidade, generosidade, gratidão, AMOR. Como negociar numa "moeda" que não é a que possuo? Como conversar num idioma, se nem sequer o domino? Como esperar do outro coisas que eu não tenho para oferecer? E o pior de tudo, como ser social numa sociedade de seres individuais?

Poucas pessoas que conheci na vida foram capazes de comprar a causa de alguém ou mesmo a delas próprias. Comodismo, desprezo, preguiça, covardia, cansaço, desilusão, não sei. Não sei até que ponto todos se convenceram de que "mostrar sucesso" resolve tudo. Se o outro diz que eu sou feliz, então eu sou feliz. Se eu convenço o outro de que sou feliz, então eu sou feliz porque o outro acha que eu sou feliz? Há mais teatro nas ruas, nos escritórios, nas escolas e nos hospitais do que nas salas de espetáculo. Se bobear, dentro da sua própria casa. E tão individualista como você, o outro também é. Então, você está se importando e investindo em projetar uma imagem de si para um outro que não está nem aí para você?  

De tudo, acho que ainda resta um pouco de arte. Penso na urgência dessa arte como uma forma de dizer através de mentiras ou invenções, as verdades que na vida ninguém tem a coragem de dizer. De ser, através da obra ou do artista, um pouco daquilo que somos em essência e viver sensações e sentimentos que nosso cotidiano não nos permite, por sermos a própria matéria desse bolo social caótico, superficial e imediatista. Torço para que surja uma arte que nos redima. Torço para que surjam artistas resistentes, que realmente tenham um ideal artístico e que este se sobreponha ao financeiro e à vaidade da "fama". Torço para que pessoas postem nos seus perfis sociais imagens de arte viva e não panfletagens de si mesmos. Todo mundo está cansado de saber quem é e quem não é. A realidade anda tão banal que é só ter olhos para enxergar o óbvio. E isso não se restringe àqueles que exercem a arte como profissão. Nietzsche propôs a arte como estética de existência para qualquer um. 

Sinceramente, eu acho que quem constrói o mundo somos nós e fazer a própria parte já é uma missão heroica. Às vezes sinto muita preguiça para fazer a minha. Às vezes eu penso: pra que me empenhar pelo melhor, se não é o melhor o que "os outros" querem de mim? Quando esses pensamentos me vêm à mente sigo em frente com o "meu melhor", nem que seja só para mostrar a mim mesma que alguém ainda se preocupa em tentar fazê-lo e sê-lo. Faço o melhor que posso e consigo. Para que meus filhos não justifiquem através de mim a preguiça, a covardia, nem o oportunismo. É por isso que até a comida que preparo tem alma. E essa alma eu cultivo diariamente nos canteiros da minha sacada. Durante o meu mestrado conversei com muitos idosos. Minha dissertação foi sobre nonagenários. Uma coisa ficou muito clara pra mim: na velhice os valores mudam, ou melhor, para se viver uma boa velhice é necessário que os valores mudem. Essa foi a minha maior conclusão.


Se ainda tiver erros na redação, perdão...

                                         

  

terça-feira, 22 de maio de 2012

"Causos" de Sampa





No dia seguinte do filme do Raul, o frio resolveu dar uma trégua na cidade de São Paulo. Resolvi ir à feira da Praça da República cobrar um vendedor por ter passado meu cartão de débito duas vezes. Peguei o extrato do banco e fui. Descendo rumo ao Minhocão, me lembrei do tumulto que rolou lá, na "Virada Cultural" desse ano, que pelo visto, não "virou". Nesse mesmo Minhocão - que só quem morou no primeiro prédio acima do Metrô Marechal sabe o nojo que ele pode ficar - a Prefeitura resolveu instalar "points" de degustação de chefes famosos da cidade, na "transvirada cultural" desse ano, ao preço módico de 15 reais. A princípio, fiquei animada e o Matheus também, mas depois sentimos que não iria dar muito certo a iniciativa e nossos apetites não se abriram. Chegamos à conclusão que para nós, que conhecemos o que é o Minhocão, não daria para ter nenhuma experiência degustativa satisfatória lá. Dito e feito. Na Veja da semana seguinte publicaram no caderno local a zona que virou aquilo ali.    

Enquanto caminhava pra pegar o ônibus "Praça Ramos", ainda pensava no dia anterior e na desgrama que terminou a vida do Raul em Brasília. E eu me lembro da notícia que ele tinha morrido no show do Marcelo Nova ou do "Camisa de Vênus", enquanto eu nem me dava conta direito de quem ele era. Nessa época Raul tava um trapo, coisa bizarra de se ver, tava na cara que ia pifar e, ao invés de o internarem numa clínica que desse um "up grade" nele para que pelo menos continuasse vivo, o cara tava semimorto no palco numa turnê de 50 shows, que se transformaram nesses espetáculos grotescos, que me remetem àqueles do Coliseu, à guilhotina da Revolução Francesa e tantos outros, onde as pessoas sentem a adrenalina saltitar o corpo, pela mórbida contemplação da desgraça alheia. O cara foi morrer logo em Brasília... e eu estava lá. E segui pensando no que significa uma pessoa não dar "certo" nem pra ser "errado"...

Chegando lá o cara me reembolsou a grana sem problemas. Fui dar uma olhada nas barraquinhas e fui invadida por um grupo de senhoras (imagino que da "melhor idade" - mas abafa), que me empurrou pra longe do centro da barraquinha, tomando o meu lugar. Imagino que elas devam praticar musculação diariamente, box ou luta livre, tamanha a violência como me arremessaram do lugar que ocupava. O vendedor que me atendia imediatamente me ignorou, ao ser abordado por um grupo que se mostrou tão disposto a investir no negócio dele. Fui ver os quadros e me lembrei de experiência semelhante na PUC, uma vez que ainda nem sabia que existia a "Universidade Livre da Maturidade", muito menos que viria um dia a dar aulas lá. Estava eu atrasada para o primeiro horário da tarde, porque ainda trabalhava no Municipal até 12:30, os professores e colegas sabiam que pelo menos uns quinze minutos eu perdia do início da aula que começava às 12:45. Aí eu entrava pelo subsolo que dá de frente pra rua do prédio da pós graduação e nesse dia estava carregando partituras, livros e meu notebook que é um chumbo porque participaria de um Seminário. Esbaforida para não prejudicar os colegas que já tinham iniciado o Seminário sem mim, tinha duas opções: ou pegar o elevador e subir cinco andares ou encarar a pé a rampa. Peguei um taxi e o elevador, até por causa do peso, mas ao atingir o térreo, fui repreendida por um grupo da "Universidade Livre" que me olhou tão feio quando apitou o limite de peso do elevador, que entendi que havia uma "linha preferencial" para eles naquele horário. Saí do elevador, dando o lugar para as "senhôras" e aproveitei para gastar umas calorias até o quarto andar. Naquele dia senti saudades do tempo de gravidez onde não pegava fila nos bancos, me cediam o assento  dos ônibus e sempre me arrumavam rapidamente uma mesa nos restaurantes. E me lembrei também do Thiago, meu filho, que numas férias foi "cuspido" do metrô da Sé. Na hora em que o metrô parou, uma multidão o empurrou de uma porta expulsando-o para fora do trem pela outra, que ficava do lado oposto à que ele tentou entrar. A gente dá risada quando se lembra dessas coisas.

No meio das tendinhas que prometiam "trazer seu amor de volta em 7 dias", "descobrir seu futuro" e outras coisas dessa natureza, tinha um velhinho sem clientes em baixo de um guarda sol com uma plaquinha escrito: "BENZE". Me lembrei que de vez em quando minha avó e minhas tias me levavam para ser benzida na infância. Eu acho que elas acreditavam em "mau olhado" e tinham medo que me "mau olhassem", porque elas me achavam o máximo. E de fato, na infância eu fui uma garotinha linda, esperta e não nego que quando vejo minhas fotos até os cinco anos de idade, sinto que havia uma luz mesmo naquela criança. Fiquei um tempão papeando com o velhinho, hábito que venho cultivando há algum tempo e paguei a "benza". Tava lá na feira um quadro que há muito tempo atrás tinha me apaixonado e ele incrivelmente continuava ali... Como desconfio que tanto pedras, como animais e obras de arte escolhem seus donos, não vacilei e tive a certeza de que aquele havia sido pintado pra mim. Fiquei pensando na repreensão do Matheus quando chegasse em casa, porque o "básico" estava faltando, mas ir ao supermercado ele também pode e esse seria meu argumento além do que, para prevenir, levei dois marmitex de yakisoba pra ele. "Show de bola o yakissoba, mãe... Lindão esse quadro aí..." (...) (!)

E por falar em obra de arte, para minha querida amiga Soren que acompanha esse modesto Blog da Austrália (uma honra), aqui em São Paulo, a Prefeitura transformou os orelhões em objetos de apreciação estética nas mãos de diversos artistas plásticos. Tem uns que ficaram geniais, lindos mesmo. Gostei mais do que das vacas, porque para quem não sabe, teve uma época em que espalharam um monte da vacas coloridas pela cidade. Foi legal também, divertido. Agora eu quero ver se esses orelhões lindésimos continuarão a ser assediados pelas etiquetinhas do mercado ainda paralelo, daquela profissão que costumam dizer que é a mais antiga do mundo. Confesso que já dei risadas com esses anúncios, principalmente quando coincidia do nome do anunciante ser o mesmo de alguém conhecido. E tem uns "produtos" que até hoje não faço a menor ideia do que podem significar. Perguntei a algumas pessoas próximas mais bem informadas que eu sobre o assunto e não sei se, por vergonha em assumir que sabiam, disseram que também não sabiam do que se tratava. Uma "parada giratória" ainda é um grande mistério pra mim...

E para terminar esse texto sobre assunto nenhum, depois dos dois passeios ao ar livre no frio, amanheci ontem acamada e com febre. Mal meu "zoi" conseguia abrir e aquela sensação de quem perdeu uma luta de UFC por nocaute. De noite eu tinha que sair de qualquer jeito. Minha cadelinha precisava comer e eu também e no caminho, um senhor já bastante idoso e meio "chumbadinho" se encantou com Tininha. E eu, com esse hábito de respeitar, investigar e ser condescendente com pessoas mais velhas, deixei ele lá um pouco acariciando o pelo dela. Às vezes eu me ferro com essa de dar trela só porque a pessoa é idosa. Daí ele disse: "a melhor essência de um ser humano é aquela que se assemelha à essência de um animal..." "Naussaaa..." Bela lição de "filosofria" porque a "fria" veio logo depois. Com um "olhar à Clark Gable", o digníssimo senhor soltou: "... e a verdadeira essência de uma mulher é saber afagar a alma de um homem..." TOMA, MARCIA DEGANI!