quinta-feira, 5 de julho de 2012

Pelos nossos filhos

Quando eu terminar esse texto terá amanhecido. Hoje é dia 5 de julho de 2012 e não será necessário mencionar o que aconteceu porque terá se tornado uma data histórica nesse país. 

Moro numa região privilegiada no centro da cidade de São Paulo que está entre as maiores metrópoles do mundo e é o centro de decisão econômica do Brasil. Sou uma pulga no meio do mundo, mas posso ser uma pulga com um excelente campo de visão. A partir de hoje, nunca mais terei qualquer sentimento nacionalista. Não é possível concordar com o que está acontecendo aqui, porque essa cidade representa uma nação e eu estou exatamente no meinho dela. 

O noticiário que está passando na emissora de TV que controla a opinião pública comemora efusivamente a noite de hoje. Já houve outro, nessa mesma emissora, que anunciou alegremente que hoje poderia ser um feriado nacional. Que bom, né? Tudo isso por causa de um jogo de futebol. Vamos continuar observando, que a repercussão desse evento poderá mobilizar mais a nação que o impeachment do Collor.

O fato é que, numa proporção percentual infinitésima perto de tudo que poderia estar ou está acontecendo agora por causa disso e a gente não vai saber, tenho um filho esgotado porque não conseguiu dormir, que faz dois cursos amanhã e terá compromissos assumidos até o final do dia, uma cachorrinha que gemeu a noite inteira e está com a pele do dorso inflamada de erupções cutâneas que surgiram de ontem pra hoje, uma funcionária que sai lá do meio da periferia e já teve que acordar pra pegar sei lá quantas lotações e tem uma filha recém nascida que provavelmente passou a noite inteira chorando e eu apenas vacilei ontem conversando até tarde com meu filho que não mora aqui e tive que sair cedo de casa pra resolver um monte de coisas, só voltando tarde e cansada pra casa. E isso não é mesmo absolutamente nada, perto de quem está internado em UTI de hospital público, dos profissionais que atuam nesse tipo de local e das vidas que estão em suas mãos. Sou da área da Saúde, apesar de artista e sei direitinho como é o atendimento médico do pobre. E isso aqui é uma metrópole de proporção mundial.

Só que hoje foi inferno pra policial, pra trabalhador exausto, pra profissionais que lidam com situações de risco, pra idoso, pra bebês, pra pessoas com fragilidades físicas, doentes e quanto maior o nível da pobreza, pior fica a situação. Eu poderia dar um "pé" nesse texto, porque nada disso me atinge diretamente, mas será possível que todo mundo continuará ignorando que o "todo" pode uma hora afetar a vida de quem pensa que está protegido?

Será vantagem pro seu filho ter sido educado numa escola boa particular e viver num país que NÃO valoriza a educação? Num país em que não se pode mais fumar em lugar nenhum, todo mundo tem que ser magro e saudável e ao mesmo tempo pode votar em bandido, não ter saneamento básico pra um monte de gente, um índice de pobreza que não condiz com a renda que passivamente colocamos nas mãos do Governo com nosso trabalho através dos impostos mais altos do mundo, que rico pode se drogar, mas pobre vai pro inferno e ainda é controlado por uma emissora de TV, por causa de uma imensa população de gente ignorante que não foi educada para ter senso crítico e é completamente dominado pela mídia? Foi assim que o Japão saiu da lama? Claro que não. O Japão se tornou grande potência mandando estudantes para países ricos para aprender tecnologia e depois fizeram melhor que esses países. Alguém acha que seremos respeitados no mundo por termos tido um presidente semi-analfabeto, porque as mulheres daqui têm bunda bonita, todo mundo é feliz e contente e porque o Timão ganhou a taça? Quem souber o basiquinho do vestibular de história, se parar pra pensar, vai concluir fácil, que os fortes são fortes porque fizeram por merecer. 

Na minha vida o "tão sonhado título" serviu sabe pra quê? Pra incentivar meus filhos a estudarem alemão e acelerarem com o pai o processo da dupla nacionalidade. Eu particularmente, não me adaptaria à cultura alemã nesse ponto da minha vida. Mas já fui jovem, cheia de sonhos, potenciais e vida como eles e decidi ficar aqui, quando por ironia do destino, poderia ter ido para o mesmo país em condições parecidíssimas com a deles. E uma pessoa que só ouvia música clássica aos dezoito anos, aos quarenta está de saco cheio de música clássica por ter sido obrigada a realizá-la com um nível inferior ao próprio padrão mínimo de qualidade, porque decidiu viver de música, num país em que UM único local consegue fazer dinheiro com esse produto. Esse local é a Sala São Paulo que foi totalmente estruturada por um sujeito cujo sobrenome é NESCHLIG. Sabem no google quem vem antes? John Nash, John Napier e John Newton. O próximo na lista é o John Neschling. O resto, o que é bom,  quem toca naquela Orquestra e quem trabalha naquela empresa, quem sabe, sabe. 

E falando como fonoaudióloga que estudou pra burro a voz cantada, fez Especialização, Mestrado, pergunto algumas coisas: o que é a música vocal dentro desse país? Aonde estão nossos excelentes cantores eruditos profissionais? Com quem estudaram? Quanto é o salário de um professor universitário? Será que estou a fim de encarar quatro anos de Doutorado ou abrir uma lojinha? Será que vou confiar no Governo e no INSS que pago, ou num plano de Previdência Privada? Em certos países, a voz é tratada como a medicina dos esportes. O sujeito é preparado artisticamente e tecnicamente como um atleta que vai para as Olimpíadas pra ganhar o primeiro lugar. Como levar a sério tudo o que acontece por aqui? O que foi atriz global cantando o FAME que a Irene Cara imortalizou? E isso é o que há de melhor, que dá dinheiro em música, tirando a Ivete Sangalo, a Cláudia Leite, as empresas das Micaretas, os sertanejos e agora o "tecnobrega"? Dessa galera, respeito Joelma e Chimbinha que se fizeram sozinhos. 

Se tá todo mundo achando ótimo pensar no botox, na bunda, no bundalelê e no tão sonhado título do Timão, então, meu amigo, você caiu no lugar certo. E desejo ao Brasil que o próximo presidente seja o Sr. Presidente do Corínthians.   


3 comentários:

  1. Muito bom seu texto! Compartilho da sua visão em quase tudo, excluindo o Neschling. Eu estava lá na tal reestruturação da OSESP e do CORO da OSESP. Sei a que custo a quilo se ergueu.
    De resto,"tamo junto".
    ;)

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  2. Me desculpe pela exclusão no facebook. Fiquei irritada com a foto dos velhinhos rs... Se me quiser de volta, vou desexcluí-lo agora. Não tinha lido seu comentário. Foi mal...

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  3. Eu sei que o Sr. Neschling também é flor que não se cheira, mas pelo menos criou o único lugar do Brasil que faz dinheiro com música.

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