O filósofo Michel Serres (2003), no ano de 2001 publicou na França o livro “Hominescências: o começo de uma outra humanidade”, afirmando que a cada ano que passa o ser humano acrescenta mais três meses de vida à sua longevidade, de acordo com os índices estatísticos do eixo Estados Unidos – Europa – Japão.
Sabemos que o Brasil ainda comporta uma grande discrepância na qualidade de vida das diferentes camadas sociais. Moro no bairro de Higienópolis, em São Paulo, onde há um grande número de idosos. Costumo ir a uma padaria que fica em frente ao Clube Piratininga, famoso pelos bailes que promove, voltados exatamente ao público mais maduro e idoso. Há alguns anos passo por lá para tomar um café nas minhas caminhadas pela região. Às vezes coincide com o horário em que as pessoas combinam de se encontrar antes do baile, para fazer o que meus filhos adolescentes chamariam de “esquenta”. Geralmente os homens, enquanto tomam uma cervejinha, batem papo e, por já me conhecerem “de vista”, acabam puxando uma conversinha.
Já me diverti muito conversando com essas pessoas e percebo uma grande diversidade nas formas que vivenciam a maturidade e a velhice. Também é muito variável a relação aparência x idade. Isso porque se trata de um público cujo bairro ficou famoso na mídia por se “auto definir”: “diferenciado”. (O Município queria construir uma estação de metrô na Av. Angélica e os moradores da região se manifestaram contra, para que o “povão” não viesse para cá). O Piratininga situa-se no ponto onde Higienópolis se funde ao bairro de Santa Cecília. Santa Cecília comporta uma população de classe “média-média” (gente como eu), enquanto Higienópolis se caracteriza pela predominância de judeus, idosos, ricos e cães com pedigree. Penso que os idosos que residem em Higienópolis possam nos servir como referência para pensarmos sobre o tipo de envelhecimento ao qual Michel Serres se referiu.
Os freqüentadores do Clube Piratininga em geral têm boa aparência, parecem saudáveis e se vestem bem. Seus corpos, pelo jeito, resistem muito bem à jornada que se inicia por volta das oito da noite e segue madrugada à dentro. Este é o perfil dos idosos que me cerca atualmente. Pessoas agradáveis, bem humoradas, bem informadas, ativas, inteligentes e lúcidas.
O fato é que esta é apenas uma, das múltiplas faces que a realidade do envelhecimento do povo brasileiro pode apresentar. Tive uma funcionária e amiga, que na “casa” dos cinqüenta, tinha poucos dentes na boca. Seu corpo evidenciava sua história de vida, marcada por necessidades não atendidas, privações, sofrimento, doenças e, principalmente, pela pobreza. Infelizmente, ela teve um AVC que deixou graves sequelas. Sua expectativa de vida, antes mesmo de ter chegado à “terceira idade” (a partir dos sessenta anos no Brasil), em comparação à dos freqüentadores do Clube Piratininga, nos mostra muito bem a diferença entre os perfis das pessoas idosas pobres e ricas no Brasil. Não caberia à minha amiga ser incluída no grupo longevo de Serres.
A mim e aos meus filhos, sim. Temos um razoável plano de saúde, alimentação balanceada, atividade física, condições ótimas de habitação, higiene, educação, cultura e não cultivamos vícios. Posso dizer que nosso perfil corresponde àqueles aos quais Serres se referiu, mesmo não estando entre os “diferenciados” da nossa população. Tracemos uma hipótese sobre nossa perspectiva de longevidade a partir de 2001, de acordo com os cálculos de Serres: a cada quatro anos vividos, acrescentemos mais um no total de anos que viveremos. Eu nasci em 1972. Supondo que a partir dos 29 anos (em 2001), de quatro em quatro anos vividos, eu começasse a ganhar mais um. Já acrescentei dois anos e meio aos 73,2 anos, que é a média da expectativa de vida do brasileiro, segundo os dados do IBGE em 2010. Meus filhos gêmeos nasceram em 1995. Em 2001, eles tinham 6 anos. Aos 16 anos eles também já “ganharam” mais dois anos e meio de vida (estou contando a partir de 2001 - para ser fiel à afirmação de Serres). A média dos países de “primeiro mundo” em 2007 era de 78 a 80 anos, segundo informações publicadas em março de 2011 no jornal “O Globo”.
Estive na Europa em 2006 e não considero a qualidade de vida dos meus filhos inferior à da média dos adolescentes europeus, sobretudo no que diz respeito à alimentação e assistência médica. O brasileiro “médio” pode se alimentar extremamente bem, se quiser e souber. A obesidade é considerada epidemia nos EUA e tem assumido proporções alarmantes no Brasil, podendo chegar a comprometer os índices de longevidade, assim como ocorre nos EUA (site; notíciasterra.com.br - 16/03/2011). Supondo que meus filhos resistam à obesidade e mantenham hábitos saudáveis de vida, posso afirmar com uma boa margem de erros, que é grande a probabilidade deles ultrapassarem os 95 anos, se dessa forma a vida continuar se encaminhando no planeta Terra.
Minha avó materna faleceu aos noventa e poucos, mas viveu sua velhice com a saúde extremamente debilitada, perdeu completamente a autonomia sobre seu corpo no final da vida e sofreu por muito tempo o “Mal de Parkinson”. Penso que não é esse o tipo de velhice que desejamos aos nossos filhos e queremos para nós.
A minha geração, que está por volta dos 40 anos, se considerarmos que foi bem alimentada e usufruiu de assistência médica adequada durante a infância e adolescência, tomando como referência o índice de longevidade dos europeus, podemos também estimar que nosso tempo de vida dure por 90 anos ou mais. Sendo assim, aos 39 anos ainda não estou tão próxima assim da “meia-idade”.
O escritor francês Honoré de Balzac, em meados de 1830 considerava a mulher de trinta anos já “com os pés na velhice”. Quais são os parâmetros para definir nos dias de hoje o que seria, por exemplo, uma “mulher velha”? O que representa no imaginário do homem contemporâneo ser considerado um “velho”? O que é, afinal, ser velho na atualidade? É ter a idade avançada? É ser doente e improdutivo? É ser feio e indesejável sexualmente? É ser dependente dos outros? Quais são os atributos que caracterizam hoje a velhice? A partir de quando deverei me considerar uma velha?
A questão que queremos levantar neste Blog é: como queremos vivenciar todos estes anos que os estudos estatísticos nos prometem? Resistiremos à velhice, como temos feito, no sentido de camuflar o envelhecimento físico de forma obsessiva para que nossos corpos não denunciem que já vivemos muitos anos? Um fato é quase certo: nós vamos envelhecer e muito provavelmente o que hoje chamamos de “período da velhice” corresponderá à maior parte de nossas vidas. Como nossas ações e valores se encaminham quando defrontados a essa realidade? Temos dado atenção às políticas públicas que tratam da qualidade de vida dos idosos como uma questão de importância crucial para nós mesmos? Por que a velhice é sempre tratada como algo exterior a nós? Falamos sobre a velhice, mas nunca nos incluímos nela. Chamar alguém de “velho” continua sendo interpretado como insulto, desacato ou verdadeiro palavrão. Daí, surgem os eufemismos: “terceira idade”, “melhor idade”, “maturidade” que resultam em reforçar o estigma negativo carregado no período da velhice.
Esperamos, através deste Blog, provocar diálogos acerca dessas e muitas outras questões. Como você percebe e vivencia o seu processo de amadurecimento e envelhecimento? De acordo com os índices demográficos, ficaremos mais velhos que os velhos com quem hoje convivemos. O envelhecimento é uma questão a ser pensada, refletida e principalmente revista no que tange ao seu significado. Sugerimos que, para colocar um início na nossa conversa, partamos do princípio óbvio que o envelhecer significa sobretudo, GANHAR MAIS TEMPO DE VIDA.
O que você pensa sobre isso?
Seja bem vindo e participe. Nosso intuito é criar um espaço que propicie diálogos que envolvam esses temas.
Até a próxima postagem!
Seja bem vindo e participe. Nosso intuito é criar um espaço que propicie diálogos que envolvam esses temas.
Até a próxima postagem!
Postado por Marcia Degani.
São Paulo, 08 de setembro de 2011.
Marcia, parabéns pelo texto e pela iniciativa de trabalhar com um tema tão importante como este! Vamos divulgar muito! Beijos!
ResponderExcluirMuito obrigada, querida! É uma honra tê-la como primeira comentarista! Super obrigada por me ajudar a divulgá-lo. Beijos muitos...
ResponderExcluirMarcia, que texto lindo! Adorei a idéia de divulgar o tema do envelhecimento! Para mim envelhecer é adquirir sabedoria e experiência de vida! Sabe, seria interessante convidar uns idosos para dar uns depoimentos. Quem sabe aquela senhorinha que escreve lindas poesias! Ficaria bem interessante! Vamos divulgar esse blog que será maravilhoso! Beijos
ResponderExcluirMinha próxima postagem será sobre uma professora muito especial que fundou o Departamento de Gerontologia e está se aposentando às vésperas de completar 85 anos. O texto está a caminho. Vale a pena saber sobre ela. Muitos beijos!
ResponderExcluirEsse texto é extremamente rico, aborda o envelhecimento de uma forma informativa e natural, porque acho que ainda existem muitas pessoas que não encaram o envelhecer com naturalidade... eu sou psicóloga e sempre me envolvi com os temas voltados para a criança e a educação (estou sempre passeando pelos blogs de mães, foi a Telma que me trouxe até aqui!) e, tenho muito interesse à respeito dos aspectos emocionais dessa fase da vida!
ResponderExcluirEstarei sempre por aqui, parabéns pela iniciativa!
Bjs
Sil
Olá, Sil. Sinta-se em casa. Eu e a minha colega Karen queremos, na verdade, que esse blog seja um espaço de diálogo. O envelhecimento PRECISA ser encarado com naturalidade, porque não há nada mais natural que envelhecer. O problema da velhice é que ela está culturalmente atrelada a conceitos que conduzem à construção de uma identidade do idoso ligada a incapacidade, perdas, dependência, falta de vigor, de saúde e improdutividade. Só que ao que tudo indica, "os novos idosos estão trazendo bons ventos". Não há mais como traçar um "perfil médio" do idoso, tamanhas são suas dissemelhanças. E isso é maravilhoso para quem pretende escrever a própria história...
ResponderExcluirAguardo você por aqui. Obrigada por ter vindo. Beijo, Marcia
Oi, Márcia querida! Que alegria ver seu texto publicado no blog. Adorei hoje, relendo-o, como adorei da primeira vez. Parabéns pela pertinência do tema, pelo desenvolvimento e estilo com que escreve. Perfeito! Parabéns às duas pelo blog. Beijos, Maria Vitória
ResponderExcluirVoltei aqui para ir sentindo cada vez mais este cantinho criado por vocês abordando tão essencial assunto que muitos de nós tratam como algo distante. Com certeza o blog trará ótimas reflexões e trocas. Muita inspiração e tempo para vocês! Beijos
ResponderExcluirMárcia:
ResponderExcluirOlá, boa tarde...
Parece-me que seu texto está há algum tempo sem merecer comentários. Tomara que não o estejam considerando meio envelhecido.
Para mim está, e muito, jovem e pertinente.
Sua abordagem me parece muito lúcida e se adequa claramente ao que penso sobre o fato de irmos adquirindo, a cada ano, a capacidade de maior permanência por aqui, entre aqueles a quem amamos, junto ao que amamos e consideramos importante.
Achei bem pertinente a consideração de "estigma negativo" o olhar sobre a velhice com preconceito e doses de mediocridade.
E olha que digo isso, não por que estou nesta fase da vida, mas, porque sempre pensei assim.
Um abraço,
Eli